Microscopia ótica de sistemas de lodos ativados

O princípio fundamental do processo de lodo ativado consiste na necessidade da concentração de biomassa no reator biológico via sedimentação do lodo ativado. A capacidade de sedimentação eficiente exige necessariamente uma boa formação de flocos do lodo.

A formação de flocos pode ser afetada de forma negativa por diversos fatores: composição unilateral de esgoto bruto (p.ex. falta nutrientes), substâncias tóxicas (p.ex. cloro), falta de oxigênio nas fases de aeração, quedas de pH, formação de espumas ou lodo intumescido.

Qualquer problema na decantação de lodo reduz a eficiência do processo em dois sentidos: a qualidade do efluente final é diretamente prejudicada com a concentração elevada de biomassa e por outro lado, o reator não tem mais biomassa suficiente para manter a eficiência do processo.

Por isso o controle do processo é fundamental para a estabilidade de operação e deve incluir o controle de fatores físicos, químicos e biológicos, como a concentrações de parâmetros de controle no afluente e efluente, e no reator o valor de pH, a concentração de oxigênio (OD) nas fases de aeração e de sólidos (SST) e da decantabilidade (IVL) do lodo.

Adicionalmente a utilização da imagem microscópica apresenta ser um instrumento eficaz de controle operacional de sistemas de lodo ativado. De certa forma a avaliação microscópica permite dar informações adicionais sobre as seguintes características:

  1. Composição do esgoto e suas alterações e detecção de afluentes tóxicos;
  2. Carga de lodo e sobrecargas;
  3. Suprimento de oxigênio e problemas com pH;
  4. Ocorrência de lodo intumescido ou lodo flutuante;
  5. As informações resultam na conclusão sobre a estabilidade do processo.

Figura 1 – A correta interpretação das informações obtidas na imagem microscópica pode auxiliar efetivamente na operação eficiente de sistemas de lodos ativados

 

É importante considerar  a microscopia ótica como uma ferramenta adicional para monitorar a operação de uma ETE, mas não pode substituir as outras medidas. O interessante da microscopia é que diferente das medições de OD ou pH, por exemplo, a composição biótica de um lodo ativado e suas mudanças indicam sobre o comportamento a longo prazo.

 

Metodologia recomendada – com 3 etapas ao resultado

Principalmente se precisa de um Microscópio ótico binocular (ou seja, de 2 oculares que normalmente tem um próprio aumento de 10 vezes) e um disco rotativo que suporta até 4 objetivas de diferentes aumentos, por exemplo de 4 vezes, 10 vezes, 20 vezes, 40 vezes e até 100 vezes.

Importante mencionar que a objetiva de 100 vezes (aumento total 1.000 vezes), que deve ser usado com óleo de emersão, não é necessário para microscopia ótica comum, descrito na presente metodologia, mas sim, pode ser útil para identificar certas espécies de bactérias filamentosas.

Para identificação da estrutura de flocos, a presença de bactérias filamentosos e a identificação de protozoários e micro-metazoários geralmente usa-se uma ampliação de 100 e 400 vezes, ou seja, objetivas de 10 e 40 vezes.

Recomendável seria o equipamento de microscópio com contraste de fases (objetiva de fases) que permite a melhor visualização, especialmente para análise de microrganismos vivos. Outro detalhe interessante é a possibilidade de transferir imagens ou vídeos com câmera digital, conforme Figura 2. 

Figura 2 – Microscópio ótico da Rotária, equipado com câmera digital e o esquema do método de análise microscópica.

 

Para análise microscópica deve ser tirado uma pequena amostra (100 – 200 mL) de lodo ativado diretamente do tanque de aeração, sendo esta acondicionada em um recipiente um pouco maior (250 – 500 mL), deixando um espaço de ar para suprimento de oxigênio ao lodo.

Menos de 2 h após a coleta, coloca-se, em laboratório, uma gota de lodo ativado em uma lâmina, cobre-se com uma lamínula evitando a presença de “bolhinhas de ar” . Em seguida, a lâmina é colocada sob o microscópico ótico para o exame e conta-se 3 lâminas de área de 10 x 10 mm (Figura 2) seguindo as 3 etapas:

 

     1. Etapa: Avaliação da estrutura dos flocos de lodo ativado e grau de formação de fios

A análise começa com ampliação de 100 vezes (objetiva de 10 vezes). Os flocos do lodo são classificados segundo os seguintes critérios (compare com Figura 3 e Tabela 1, coluna 1), sem classificação quantitativa.

Figura 3 – Avaliação de flocos e grau de formação de bactérias filamentosas no protocola da microscopia ótica adaptado pela Rotária para uso nos sistemas de lodo ativado no Brasil

 

Geralmente, os flocos grandes (> 500 µm) ocorrem em estações sobrecarregadas (carga de lodo > 0,5 kg DBO5/ (kg SST x d) e os flocos pequenos (< 100 µm), em estações com baixa carga. Entretanto, flocos pequenos também podem originar-se em tanques com turbulência elevada ou ainda, ser uma consequência de intoxicação do lodo ativado.

As bactérias filamentosas têm importância primordial na sustentação dos flocos de lodo ativado,  formando “o esqueleto do floco” e oferecendo possibilidades a outras bactérias se aderirem e crescerem. Sem predominância das bactérias filamentosas, os flocos apresentam uma estrutura compacta e têm uma forma mais ou menos arredondada. Os problemas de lodo intumescido ou lodo flutuante muitas vezes, são provocados pelo crescimento massivo de bactérias filamentosos. Para o diagnóstico dos problemas relacionados utilizam-se metodologias especiais (Hoffmann et. al, 2001).

 

      2. Etapa: Avaliação do número das bactérias livres e dos Flagelados

As bactérias do lodo ativado, com exceções das formas maiores, não podem ser classificadas pelo microscópio óptico, porém, com um aumento da ampliação a partir de 400x, percebe-se o aparecimento das bactérias livres.

Um grande número de bactérias livres pode indicar uma perturbação na estação de tratamento, por exemplo, através de intoxicação. Outras bactérias importantes e fácil de detectar são as Zooglea ssp., que aparecem com maior frequência durante os períodos de início de funcionamento, são conglomerados de bactérias com a forma de uma pequena árvore.

Finalmente, os Zooflagelados podem ser avaliados neste grupo. Pois apresentam os protozoários de menores dimensões, apenas reconhecíveis com uma ampliação de 400 vezes. O aparecimento de muitos Zooflagelados de pequeno tamanho indica condições instáveis, sobrecargas ou início de funcionamento da estação.

Basta mencionar que todos estes “organismos pequenos” estão sendo avaliados com semi-qualitativa, com os graus de 0-4 (Tabela 1, coluna 2) mas sem contar cada organismos na amostra.

 

      3. Etapa: Avaliação do tipo e frequência dos protozoários e metazoários

Os outros protozoários (Amebas e Ciliados) e os metazoários constituem um grupo muito heterogêneo de organismos. No lodo ativado aparecem organismos celulares que se agarram aos flocos e formas livres, dispersas entre os flocos. Eles alimentam-se principalmente de bactérias, e também de substâncias orgânicas e outros organismos pequenos. Através do seu comportamento na alimentação, os protozoários rejuvenescem a população de bactérias na estação de tratamento.

O aparecimento dos protozoários e metazoários por amostra (por lâmina) é contado e avaliado com o grau 0-3 (Tabela 1, coluna 3).

Tabela 1 – Avaliação quantitativa de sistemas de lodos ativados, classificação dos flocos, dos organismos pequenos e organismos maiores (sem classificação especial de microrganismos filamentosos)

Devido ao seu grande tamanho corpóreo, as Amebas, Ciliados e Metazoários desempenham um papel importante na microscopia como indicadores, especialmente os organismos cuja ocorrência permite concluir quanto às condições específicas de funcionamento da estação de tratamento. Por exemplo, existem espécies de Ciliados que indicam condições estáveis e outras que indicam falta de oxigênio e condições não estáveis. Os Metazoários como Rotíferos, têm um período de geração mais longo que os Ciliados e aparecem apenas em lodo com alta idade (> 8 dias) e em condições estáveis de funcionamento.

 

Experiências sistematizadas  – 4 exemplos com a microscopia de sistemas de lodo ativado e indicações  

Seguem experiências sobre composições típicas, considerando as 3 etapas de avaliação mencionadas, voltado principalmente aos sistemas do lodo ativado do tipo de aeração prolongada. Estas experiências são válidas para a situação climática de todo Brasil e podem ser aplicado  – em certas limites – aos outros sistemas de tratamento aeróbio, como lodo ativado convencional, sistemas aeróbios com suportes ou até Filtro percoladores.

 

Exemplo 1: Situação típica de sistemas de lodo ativado com baixa carga orgânica e operação estável

As características típicas para estações com baixa carga orgânica, alta idade de lodo e operação estável indicam uma alta variabilidade dos protozoários e metazoários (tabela 2). Por outro lado, aparecem somente poucos organismos (nível 1-2). Aquelas estações que não tem aparecimento de protozoários, nem metazoários por causa de baixa carga e/ou idade do lodo muita elevada (> 30 d), ainda podem trabalhar com boa eficiência, mas caso seja verificado no reator a alta concentração do lodo (> 4000 mg/L), se recomenda a retirada de uma quantidade suficiente de forma a evitar a sobrecarga do decantador.

Tabela 2 – Situação típica de sistemas de lodo ativado com baixa carga orgânica e operação estável

Figura 4 –  Indicadores para alta idade de lodo e estabilidade de operação
 

 

Exemplo 2: Situação típica de sistemas de lodo ativado do tipo aeração prolongada – sobrecarregados

Estações periodicamente sobrecarregadas sofrem necessariamente uma mudança da formação de flocos, do tipo e frequência de protozoários e metazoários presentes. A concentração de Protozoários é mais elevada, mas a variabilidade é menor (Tabela 3). Tipicamente aparecem Zooflagelados, em números elevados, especialmente no caso de sobrecargas (nível 2-3). Alguns dos Protozoários como Aspidisca, Trachelphyllum, Amphileptus, Prorodon sobrevivem e até aumentam bastante em número (nível 2 – 3), outros, como Coleps, Amebas com casca, Vagnicola, Chaetospira morrem e somente as cascas vazias permanecem no lodo (Fig. 5.4). Fato típico é uma concentração elevada das colônias de Ciliados pedunculados Epistylis, Zoothamnium (nível 3).

Tabela 3 – Situação típica de sistemas de lodo ativado do tipo aeração prolongada – sobrecarregados

Figura 5 –  Indicadores para sobrecarga das estações do tipo aeração prolongada 

Cargas orgânicas elevadas (> 0,10 kgDBO5/ kg ST*d) nas estações de tipo aeração prolongada significam uma estabilização insuficiente do lodo. A nitrificação pode ser afetada com cargas mais elevadas (> 0,2 kgDBO5/ kg ST*d) ou pela falta de oxigênio (< 1mg O2/L).

 

Exemplo 3: Situação típica de sistemas de lodo ativado do tipo aeração prolongada – falta de oxigênio

Falta de oxigênio é o problema que pode ser resultado da carga elevada e/ou de uma aeração insuficiente. Como resultado tem-se a diminuição da eficiência do processo, principalmente quanto à nitrificação. Fato típico é o aparecimento de bactérias filamentosas do tipo Sphaerotilus e bactérias de enxofre Beggiatoa e Thiothrix, que afetam a decantabilidade do lodo (lodo intumescido: IVL > 150 mL/g).

Dependendo da duração da falta de oxigênio, somente aqueles poucos tipos de Protozoários, que precisam de menos oxigênio, determinam o lodo: Parameceum, Dexiostoma Glaucoma. Os Metazoários desaparecem e os Ciliados pedunculados formam cistos (Fig 6.5). Os troncos destes ficam  sem cabeças no lodo (Fig. 6.6).

Tabela 4 – Situação típica de sistemas de lodo ativado do tipo aeração prolongada – falta de oxigênio

Figura 6 –  Indicadores para de falta de oxigênio das estações do tipo aeração prolongada 

Em casos mais sérios de falta de OD os flocos liberam bactérias livres, assim causando perda irreversível da biomassa do sistema.

 

Exemplo 4: Situação típica de sistemas de lodo ativado – problemas de baixa alcalinidade

Outro problema típico consiste no perigo da queda de pH, provocada pela baixa alcalinidade do esgoto bruto ( <250 mg CaCO3/L); a maioria dos esgotos brutos no Brasil possuem baixa alcalinidade devido ao uso de águas superficiais para o abastecimento. Desta forma, o processo da nitrificação sofre consequências, uma vez que utiliza a alcalinidade e libera acidez. Outro problema relacionado é a dosagem de substâncias ácidas, tais como o Cloreto Férrico, uma vez que também se gasta a alcalinidade para suas reações. A única possibilidade biológica de recuperação da alcalinidade consiste no processo de desnitrificação e, caso não seja possível, se faz necessário o uso de produtos com uma alta alcalinidade (p.ex. NaOH).  

Em reatores que operam continuamente em valores de pH abaixo de 7, primeiro desaparecem os Ciliados pedunculados, logo depois as Rotatórias e Aspídiscas e finalmente, em caso de pH já abaixo de 5, desaparecem também as Amebas nuas (Fig. 7.4) e Zooflagelados. Organismos que indicam entre outros fatores um pH baixo, são os Zoogela (Fig 7.1) e fungos filamentosos (Fig. 7.2), (nível 2 até o nível 4).

Tabela 5 – Situação típica de sistemas de lodo ativado – problemas de baixa alcalinidade, pH decrescendo

Figura 7 –  Indicadores para baixa alcalinidade das estações do tipo aeração prolongada

Mesmo que as bactérias tenham a capacidade de se adaptar a valores de pH mais baixos que 6,  a estrutura e a resistência dos flocos são afetadas pela acidez liberada. O efluente tratado de um sistema operado com valores de pH abaixo de 6 é caracterizado pela turbidez, causado pelo excesso de bactérias livres e flocos pequenos que não sedimentam. Desta maneira o sistema perde rapidamente qualquer eficiência.

 

Conclusão

O que se conclui dessas experiências, é que a utilização da microscopia ótica é uma ferramenta muito importante para a avaliação da estabilidade de processos de tratamento aeróbio. A grande vantagem do controle frequente (semanal) de processo via microscopia consiste na possibilidade de:
(i) diagnóstico das condições depurativas no reator;
(ii) estimativa da qualidade do efluente;
(iii) previsão dos problemas (redução de pH, falta de OD, intoxicação, aumento de numero de bactérias filamentosas, etc) antes que se manifestem em perda de eficiência
Necessariamente precisa-se de conhecimento profundo também sobre a ETE em questão e os processos instalados para chegar a uma interpretação correta e útil das observações feitas na microscopia.

A metodologia apresentada nesse documento é uma adaptação da metodologia utilizada na Alemanha na área de avaliação microscópica, para as condições brasileiras. A pesquisa descrita é o resultado de um pós-doutorado na UFSC, no Departamento da Engenharia Sanitária e Ambiental. Os resultados foram publicados em artigos de pesquisa tais como Hoffmann et. al. 2001 e Hoffmann, 2004 (vide Bibliografia).

 

Referências bibliográficas: 

  1. Eikelboom, D.H., van Buijsen, H.J.J. (1992): „Handbuch für die mikroskopische Schlammuntersuchung“ F. Hirthammer Verlag München,3. Auflage.
  2. Jenkins, D.; Richard, G.R.; Glen, T.D. (1993): „Manual on the causes and control of activated sludge bulking and foaming“, 2nd Edition, Lewis Publishers Inc.
  3. Hoffmann, H.; Bento, A.; Belli, P.; Philippi, L.S. (2001): “Utilização da imagem microscópica na avaliação das condições de operação – uma aplicação da experiência da Alemanha em estações de tratamento no Brasil” 21. Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária Ambiental (ABES), João Pessoa.
  4. Hoffmann, H. (2004): Caracterização de Funcionamento de ETE´s de tipo Lodo ativado via imagem microscópica – estudo na região de Grande Florianópolis. Simpósio Luso-Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental, XI SILUBESA, Natal (Brasil).
  5. Von Sperling, M.(1997): Lodos Ativados. Belo Horizonte: Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental, Universidade Federal de Minas Gerais, 416p.