Wetland de tratamento de esgoto e o Fito-Filtro Francês

Os Wetlands de tratamento de esgoto buscam imitar a função de autodepuração de ecossistemas úmidos naturais. Como estes, abrigam o conjunto dos processos da biorremediação, com equilibro entre os processos da retenção dos contaminantes de esgoto e sua degradação, que é crucial para manter a capacidade removedora de estes sistemas sem perda de eficiência e sem necessidade de intervenções. As plantas ou macrófitas emergentes principalmente mantem a porosidade do filtro e fornecem as microcondições para sustentar a biorremediação.

 

Sistematização das tecnologias wetlands com potencial de aplicação em grande escala

Desde o desenvolvimento nos anos 60, 70 existem diferentes enfoques e tecnologias de wetlands. A Figura 1 busca classificar aqueles com alta relevância para serem aplicados em larga escala, seja como tratamento principal de uma ETE ou como um componente na sua cadeia de tratamento. São as tecnologias mais difundidas e reconhecidas, com experiências comprovadas sobre sua eficiência e normas estabelecidas do dimensionamento. Para visualizar o potencial específico de cada tecnologia se relaciona a capacidade removedora com os níveis de tratamento de efluente/ou lodos na cadeia de tratamento de ETEs.

 

Figura 1 – Classificação de tecnologias Wetlands com potencial de aplicação em escala

 

Entre as tecnologias da Figura 1 destaca se o “Fito-Filtro Francês” que a partir dos anos 90, como parte do “sistema Frans” literalmente revolucionou o conceito de tratamento de esgoto de pequenas cidades na França e outros países de Europa. Atualmente na França há mais de 4.000 ETEs de tipo “sistema Frans”, com atendimentos entre 200 a 6.000 habitantes.

A Rotária do Brasil estima, conforme experiências próprias de wetlands implementados em grande escala, que o potencial do sistema Fito-Filtro Francês para a realidade brasileira pode ser ainda maior.

 

Caracterização do sistema Francês “Clássico”

Primeiro é importante notar, que o “Sistema Frans” foi desenvolvido na França para ETEs que devem atender alta padrão de eficiência, em especial se exige a nitrificação completa. Entre os sistemas “naturais”, ou seja, sistemas sem aeração forçada, a nitrificação somente pode ser cumprida pelo Wetland tipo sub-superficial vertical, alimentado em intervalos e com areia como material filtrante. Conforme a Figura 1, esse tipo de wetland necessariamente precisa um pré-tratamento e tipicamente se usam nesta escala o Tanque Séptico (Fossa), o Tanque Baffled (ABR), o Tanque Imhoff, entre outros, que todos são baseados em processos anaeróbios, liberando o Metano (CH4) e outros gases e seu funcionamento depende da retirada controlada dos lodos fecais.   

A grande inovação do “sistema Francês” consiste na substituição completa destas tecnologias por um novo tipo de wetland: o “Fito-Filtro Francês” que recebe diretamente o esgoto bruto e ainda tem elevada eficiência na retenção dos sólidos e da matéria orgânica, degradando os compostos orgânicos por processos aeróbios (mineralização), sem liberar gases do efeito estufa, sem cheiro e sem nenhuma necessidade de intervenções, nem retirada de produto seco (húmus) durante 10 ou mais anos.

Ou seja, o “Sistema Francês clássico”, conforme usado no clima frio, é composto de dois etapas de wetlands (Figura 2 e Figura 3):

1ª Etapa: o Fito-Filtro Francês (3 áreas usadas alternadas) com brita como material filtrante – para a retenção de sólidos na sua superfície e filtração do efluente, seguida pela:

2ª Etapa: o wetland de escoamento sub-superficial vertical com filtro de areia – para completar a degradação aeróbia e realizar o processo da nitrificação.

 

Figura 2 – “Sistema Francês Clássico” desenhado pela Rotária do Brasil e AKUT 
ETE para 800 HE na Espanha; Etapa 1 de 3 áreas para tratamento de esgoto bruto
e Etapa 2 de 2 áreas principalmente para a nitrificação do efluente pré-tratado

Figura 3 –  Piloto na Universidade UNALM em Lima/Peru, foto do Fito-Filtro Francês com Cones de Esgoto Bruto, Efluente do Fito-Filtro (Etapa 1) e Efluente Final (Etapa 2). 

 

Caracterização do Fito-Filtro Francês e sua “tropicalização”

A partir da primeira década de 2000, o conceito do sistema francês foi introduzido e pesquisado em diferentes países de clima quente, inclusive no Brasil (3) e também em alguns países do Caribe (1) e no Peru (2). Principalmente se aprovou em todas as pesquisas no clima quente o maior potencial da 1ª Etapa do sistema francês e ainda permite certas economias:    

  • Em relação ao tratamento dos sólidos do esgoto bruto (lodo primário), as temperaturas quentes permitem sua decomposição acelerada. Isso significa que o lodo precisa menos tempo de repouso para ser estabilizado, desta maneira permitindo operar somente com 2 áreas usadas alternadas, em vez de 3 áreas de sistema clássico Francês;
  • No clima quente a eficiência da 1ª Etapa alcança entre 80 e 90% na remoção de DQO, DBO e SST e o processo da nitrificação ocorre parcialmente, ou seja, como tratamento único atinge exigências muito mais elevadas que a Resolução CONAMA Nº430/2011 requer;
  • Onde se exige para o lançamento do efluente um tratamento ainda mais avançado, essa etapa pode ser completa também com tecnologias como o wetland de escorrimento horizontal ou com lagoa de maturação, dependendo do objetivo de tratamento.   

Resultou para o clima quente, conforme os autores citados, a adaptação da primeira etapa do sistema clássico francês com área comparativamente menor e eficaz de realizar o tratamento principal do esgoto bruto com eficiência elevada e ao mesmo tempo, economizando a gestão do lodo fecal. A Figura 4 mostra o esquema do Fito-Filtro Francês.  

 

Figura 4 – Esquema de “Fito-Filtro Francês”, aprovado como única etapa de tratamento de esgoto bruto em clima quente, sendo dividido em duas áreas, garantindo repouso frequente da superfície, seco e mineralização completa de lodo depositado

 

Conforme documentado na Figura 5 (Fito-Filtro Francês da Rotária, operado no Peru e Brasil) o lodo primário passa sem intervenções para o seco e decomposição completa.

Figura 5 – Processo de tratamento dos sólidos de esgoto bruto na superfície de Fito-Filtro Francês: o uso alternado (2 a 4 dias) de duas áreas separadas permite a decomposição aeróbia completa durante 10 anos a mais da sua permanência no sistema.

 

Por fim, é importante mencionar, que as macrófitas, espécies adaptadas ao clima e as condições de abundância de oferta de água e de nutrientes, crescem muito rápido e depois de poucas semanas de iniciação do processo cobrem completamente a superfície do filtro e os pontos da descarga (Figura 6) do esgoto.

 

Figura 6 – Fito-Filtro Francês para tratar o esgoto bruto da sede da Rotária do Brasil, em Florianópolis/SC, com diferentes espécies de macrófitas e depois de 6 meses de operação

 

A Rotária do Brasil compartilha as experiências internacionais dos parceiros da Global Wetland Technology (GWT) sobre esta tecnologia. Os próprios projetos  (Figuras 2, 3, 5 e 6) são tanto na Europa (4 ETEs municipais na Espanha e Portugal com AKUT) como no Peru, onde coopera com a Universidade UNALM em Lima na pesquisa sobre os sistemas de wetland de tratamento em geral e de Fito-Filtro Francês (Referência bibliográficas 2) em especial. 

     Com sabe nestas experiências, considera o Fito-Filtro Francês como uma tecnologia de grande potencial para ETEs de menor porte no Brasil (200 a 15.000 habitantes equivalentes). 

 

Referências bibliográficas: 

  1. Les filtres plantés de végétaux pour le traitement des eaux usées domestiques en milieu tropical, Guide de dimensionnement de la filière tropicalisée (2017) edited by Rémi Lombrad Latune & Pascal Molle, publication of Irstea Institute, Epure Lyon, France.
  2. Höllmann, M.; León, M. V. A.; Barjenbruch, M.; Hoffmann, H.; Platzer, C.; Miglio, T.R (2018): Towards dimensioning guidelines for raw wastewater treatment in a single stage French System treatment wetlands in arid climate of Peru, IWA Specialist Conference on Wetland Systems, Oct. 2018, Spain.
  3. Wetland Technology, Practical Information on the Design and Application of Treatment wetlands, IWA Scientific and Technical Report No. 27 (2020), edited by Gunter Langergraber et al./Chapter 4.2: Treatment wetland in Developing Regions by M. Von Sperling & C. Platzer.