Situação do saneamento e ATLAS Esgotos – Reflexões do ano 2017

A situação do saneamento com seus aspectos envolvidos de caráter técnico, ecológico, econômico, legal, social ou institucional é o tema que nos acompanhou em 2017 deste o seminário de comemoração de 15 anos da Rotaria do Brasil até o VI Encontro Estadual de Cooperação Técnica FUNASA /ASSEMAE de Santa Catarina, além também da nossa dedicação como cidadãos.

Christoph Platzer, sócio diretor da Rotaria do Brasil, como representante da Associação das desentupidoras na audiência pública de PIMSB de Grande Florianópolis

 

Um marco importante neste contexto em 2017 foi a publicação do ATLAS ESGOTOS: Despoluição de Bacias Hidrográficas. O estudo, coordenado pela Agencia Nacional de Águas (ANA, Ministério de Ambiente), foi elaborado com objetivo de apresentar de forma detalhada e diferenciado a situação atual nacional do saneamento, concluindo as ações necessárias com horizonte focado até 2035.

O documento abriu o caminho para diversas ideias de como contribuir com um desenvolvimento mais sustentável de serviços de saneamento, os quais nos interessa discutir. Neste blog, nos pautamos nessa discussão com a apresentação e análise de alguns resultados do ATLAS ESGOTOS.

 

Apresentação de resultados escolhidos do ATLAS ESGOTOS

As informações, estatísticas e avaliações do ATLAS ESGOTOS são relacionadas a situação do saneamento da população urbana (81% da população atual) dos 5.570 munícipios brasileiros. Entre as quatro etapas da elaboração do ATLAS ESGOTOS (página 19), escolhemos os seguintes resultados:

Etapa 1: Levantamento de dados atuais de atendimento com serviço de saneamento

Índices de cobertura atual no Brasil, fonte ATLAS ESGOTOS (página 30)

Segundo os dados da figura acima, atualmente 61,4% da população urbana é atendida pela rede de esgoto. Dessa forma, com o acréscimo da parcela de 38,6% sem atendimento e as 18,8% cujo os esgotos são coletados sem ser tratados, o esgoto da maioria da população urbana (57,4% ou, 96,7 milhões de pessoas) não é atendida pelo “tratamento coletivo” (ETE). O diagnóstico a seguir avalia o que significa essa situação para os corpos receptores.

 

Etapa 2: Diagnostico de déficits e avaliação de impacto para os corpos receptores

O diagnóstico (ATLAS ESGOTOS: página 38) objetiva determinar a contribuição especifica de DBO ao corpo receptor pela carga (baseado em 54 g DBO por pessoa e dia), relação que permite diferenciar os impactos entre o esgoto bruto (sem tratar) e os diferentes níveis de tratamento. As cargas remanescentes dos processos de tratamento resultam da tecnologia empregada na ETE (ATLAS ESGOTOS: a tabela na página 33 indica as eficiências teóricas das tecnologias e o gráfico na página 35 informa a faixa da remoção de DBO por município).

Balanço de carga de esgotos no Brasil, situação atual, fonte ATLAS ESGOTOS (página 39)

De 9.098 t DBO gerados por dia pela população urbana, 5.519t DBO (60,6%) não são eliminados e devem ser absorbidos pelos corpos receptores. Segundo os dados da figura acima a carga foi composta de seguintes fontes:

  • 42,6% de esgotos são coletados e tratados (eficiência média das ETEs de 74%), a carga remanescente corresponde a 18% da carga total (título verde escuro).
  • 18,8% de esgotos são coletados, mas não tratados (descarga pela rede coletora) e colaboram com uma carga bruta de 30% da carga total (título cor de laranja).
  • 12,1% dos esgotos são tratados por uma solução individual adequada (60% eficiência), a carga remanescente corresponde a 8% da carga total (título verde claro).
  • 26,5% dos esgotos são lançados diretamente ao corpo receptor (descarga pela rede pluvial ou outra) e correspondem a uma carga bruta de 44% da carga total (título vermelho).

Resultado: As cargas brutas (esgoto sem tratar) correspondem a ¾ da carga total, dessa parcela: não existe ETE na rede coletora (30%) ou não existe atendimento com a rede coletora e uma ETE (44%). O prognostico em seguida analisa a demanda econômica para sanear estes dois problemas com horizonte até 2035.

 

Etapa 3: Prognostico da demanda econômica para coleta e tratamento de esgoto com relação a avaliação institucional da prestação dos serviços por Município

A avaliação econômica possuí como enfoque os custos para redes coletores e estações de tratamento de esgoto (ETE) sem considerar os custos  de: i) construção e manutenção de soluções individuais (fossa séptica e filtros biológicos ou sumidouros); ii) reposição ou substituição de redes coletoras antigas e mistas; iii) Tratamento de efluentes das redes mistas; iv) Tratamento, reuso ou disposição final de lodo de ETE (ATLAS ESGOTOS, página 70).

Para estimar os custos de tratamento, o prognóstico segue o conceito que a eficiência depende, principalmente, da complexidade técnica da ETE. Foram determinados 5 tipos de ETE em função das eficiências requeridas pela capacidade dos corpos receptores (ATLAS ESGOTOS, páginas 64 e 66).

  • Tipo 1/convencional (60%-80% remoção de DBO), considerado como tratamento ”menos complexo”, para lançamentos em corpo receptores com capacidade de diluição superior a 2.000L/hab.d, aplica a 53% de municípios (2.969) com 23% da população urbana.
  • Tipo 2/avançado (> 80% remoção de DBO) corpos receptores com menos potencial de diluição, mas sem outras exigências, aplica a 1.291 municípios com 23% da população urbana.
  • Tipo 3/semiárido com elevada exigência a higienização do efluente (corpo receptor intermitente ou efêmero) aplica somente a 4% da população urbana (470 municípios).
  • Tipo 4/solução conjunta  de decisão coletiva, aplica em caso de lançamentos de mais que um município ao mesmo corpo receptor, afeta 22% da população urbana (524 municípios).
  • Tipo 5/solução complementar aplica a 27% da população urbana (316 municípios) para quais os destinos para os efluentes não se enquadram entre os tipos de 1 a 4 de lançamentos (emissário submarino, reuso, infiltração, novo corpo receptor etc.)
  • Remoção de nutrientes (ATLAS ESGOTOS, tabela na página 69): aplicando adicionalmente aos tipos 2-5 em caso de possíveis impactos de lançamento aos reservatórios (Fósforo total) e captações de agua potável (Nitrogênio total). A necessidade da remoção do Fósforo se aplicou a 36% da população urbana (1.234 Munícipios) e a Nitrificação e Desnitrificação a 15% da população urbana (810 Munícipios).
Investimento e índices de coleta e tratamento por situação institucional, fonte ATLAS ESGOTOS (página 80)

Segundo os dados da figura emcima, os investimentos resultantes  foram atribuídos ainda a 3 grupos de prestadores de serviço, sendo classificados pelo seu status institucional e sua capacidade operacional e financeira em relação ao serviço de saneamento (ATLAS ESGOTOS, páginas 78-80):

  • Grupo A – situação institucional consolidada contempla 1.282 municípios que atendem a maior parcela de população urbana (42%) contando com as maiores cidades. O prognóstico considera rede coletora para 11,4 Milhões e ETE para 22,7 Milhões de pessoas.
  • Grupo B – situação institucional intermediaria corresponde aos 1.690 municípios, deste 73% com menos de 20 mil habitantes e em total 34% da população urbana. O prognóstico considera rede coletora para 13,8 Milhões e ETE para 26,4 Milhões de pessoas.
  • Grupo C – situação institucional básica concentra 2.598 municípios e a menor parcela da população urbana (24%), 86% dos municípios tem menos de 20 mil habitantes. O prognóstico considera rede coletora para 20 Milhões e ETE para 26,3 Milhões de pessoas.

Em relação a meta de eliminar até 2035 mais de 3.600 t DBO/dia, a contribuição necessária para cada grupo de prestador é de quase um terço (ATLAS ESGOTOS, página 84). Contudo, observa-se uma diferença significativa em relação a distribuição de investimentos no que tange as exigências aos tratamentos menos complexos (tipo 1) e mais complexos (tipos 2 a 5 sem/com remoção de nutrientes):

  • Um pouco mais que a metade de investimento global (53%) será exigido pelos tratamentos mais complexos dos grupos A e B de prestadores, principalmente nos núcleos urbanos maiores, atendendo 68% da população urbana global em 1.568 municípios.
  • Os restantes 47% dos investimentos globais foram planejados para os tratamentos menos complexos de prestadores de grupos A, B e C e os mais complexos de grupo C, ou seja, para 72% dos municípios de cada categoria com em média menos que 25.000 habitantes.

Com base nestes resultados, gostaríamos de compartilhar nesse blog as ideias para o desenvolvimento sustentável do serviço de saneamento básico.

Nossos enfoques para desenvolvimento sustentável do serviço de saneamento básico com base no ATLAS ESGOTOS

 

1. Tecnologias e exigências especificas para ETE decentralizadas

A maioria dos investimentos vai se concentrar nas ETE’s de médio e pequeno porte (10 a 50 L/sec.). Uma vez que 80% dos municípios contam com menos de 30.000 habitantes, além de o ATLAS ESGOTOS comprova a grande necessidade de investimentos nestes municípios. Para os municípios com população mais concentrada, os quais segundo o ATLAS ESGOTOS exigem principalmente ETE’s complexas, muitas vezes a ETE central não será viável, sendo problemas típicos: grande tempo e custo elevado de planejamento e expansão da rede em áreas já construídas ou com topografia complicada, ou falta de acessibilidade das áreas apropriadas para a ETE central. Neste sentido gostariamos de mostrar, que hoje em dia a alta eficiência, ou seja, a “complexidade” da tecnologia de ETE de médio e pequeno porte (“ETE descentralizada”) não necessariamente significa custos elevados.

2. Gestão de soluções individuais – serviço de saneamento “sobre rodas”

Atualmente 50% da população brasileira usa soluções individuais (65,1 milhões nas cidades segundo o ATLAS ESGOTOS e adicionalmente a população rural). Em muitos casos essa situação vai continuar como única solução viável. Neste sentido o ATLAS ESGOTOS menciona, por exemplo, a importância de consideração de fossas sépticas: „…é fundamental que se avance na regulamentação desta solução, definindo com clareza as reponsabilidades sobre a sua manutenção e a disposição final dos resíduos, e no estabelecimento de diretrizes para sua utilização como uma alternativa de política pública para universalização do esgotamento sanitário“ (citado ALTAS ESGOTOS, pagina 88). Gostaríamos de mostrar, que a gestão planificada das soluções individuais e do seu serviço (a coleta, o tratamento e o destino final do lodo fecal) pode ser indispensável para controlar os riscos relacionados e oferecer um serviço regular e apropriada às famílias que não podem ser atendidas com rede de esgoto.

3. Abordagem holística do serviço de saneamento

Além da integração da gestão das soluções individuais, a universalização do serviço de saneamento pode exigir várias outras ações: o ALTAS ESGOTOS ainda não considera, por exemplo, a gestão dos lodos das ETEs, nem a adaptação das tecnologias existentes as exigências elevadas. Outra ação indispensável é a operação adequada: „…É importante também que os indicadores de eficiência de tratamento sejam incorporados definitivamente …, para que a métrica de avaliação não se baseie apenas na execução de obras e na evolução da cobertura dos serviços de esgotamento sanitário, mas também na eficiência operacional das ETEs e na melhoria da qualidade da água dos corpos receptores” (citado ALTAS ESGOTOS, pagina 88). Em certas condições também o reuso planificado dos produtos de saneamento (água, nutrientes, energia ou biosólidos) pode contribuir para reduzir a carga nos receptores e economizar o serviço. Neste sentido gostaríamos de discutir o potencial da gestão integral de diferentes tecnologias e tipos de serviços de saneamento.

 

Em breve continuamos com as discussões mais detalhadas!